quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Ah, mundo moderno...

O mundo gira, gira e muda tão pouco... tão pouco que estou suspirando, com um pouco de tristeza e desapontamento pela suposta evolução humana...

Li e precisava mostrar isso (se não acreditar é só clicar no link):


Eu, Mustapha Kessous, jornalista do "Le Monde" e vítima do racismo


Brice Hortefeux tem um grande senso de humor. Sei disso, ele me fez uma piada um dia. Quinta-feira, 24 de abril de 2008. O ministro da Imigração e da Identidade Nacional iria me receber em seu majestoso gabinete. Um encontro para falar das greves dos "sem-documentos" [estrangeiros em situação irregular] nas empresas. Eu nunca o havia encontrado. Estou esperando com minha colega Laetitia Van Eeckhout no palácio do governo. Brice Hortefeux chega, me estende a mão, sorri e diz: "Você está com seus documentos?"

Três meses depois, 7 de julho, dia de meu aniversário de 29 anos. Estou cobrindo o Tour de France. Preparo um artigo sobre as pessoas que moram na beira das estradas. Sobre o asfalto molhado perto de Blain (Loire-Atlantique), me aproximo de uma família empolgadíssima com a passagem da caravana, para conversar. "Com você eu não falo", me lança um jovem de vinte e poucos anos. Ao meu lado, meu colega Benoît Hopquin não encontra nenhum problema para conversar com essa "França profunda". Mais tarde ele me contou que, depois que nós nos identificamos, uma funcionária da organização o chamou para saber se eu era seu... chofer.
Eu pensava que minha "qualidade" de jornalista do "Le Monde" iria finalmente me preservar de meus principais "defeitos": ser um árabe, ter a pele escura demais, ser um muçulmano. Eu achava que minha credencial de imprensa me protegeria dos comentários de pessoas obcecadas pelas origens e pelas aparências. Mas qualquer que seja o assunto, o ambiente, a população, os preconceitos persistem.

Falo muito sobre isso com meus colegas: eles mal acreditam quando lhes descrevo esse "apartheid mental", quando detalho as pequenas humilhações sofridas quando estou fazendo uma reportagem, ou no dia a dia. Para quê me apresentar como jornalista do "Le Monde", se não acreditam em mim? Alguns não hesitam em telefonar para a o jornal, para avisar que "um tal de Mustapha tentou se passar por jornalista do 'Monde'!"

Faz muito tempo que não digo mais meu nome quanto me apresento pelo telefone: é sempre "Sr. Kessous". Desde 2001, quando me tornei jornalista, na redação do "Lyon Capitale" e depois na do "Le Monde", "Sr. Kessous" soa melhor: nem imaginam que o repórter é um descendente de árabe. O grande rabino de Lyon, Richard Wertenschlag, me confessou, com um sorriso: "Eu achava que o senhor era da nossa comunidade".

Tive de amputar parte de minha identidade, tive de apagar esse nome árabe de minhas conversas. Dizer Mustapha é correr o risco de ver seu interlocutor se recusar a falar com você. Às vezes digo para mim mesmo que estou sendo paranoico, que estou enganado. Mas isso aconteceu tantas vezes...

Quando entrei no jornal, em julho de 2004, fui para a ilha de Barthelasse, perto de Avignon, para cobrir uma notícia. Um menino havia sido assassinado com uma machadinha por um marroquino. Fui até a casa onde se passou a tragédia, bati à porta, e o primo, de cinquenta e poucos anos, que tentou reanimar a criança ensanguentada, me olhou friamente dizendo: "Não gosto dos árabes". Por fim, ele me recebeu em sua casa.

Pensavam que o assassino havia fugido do hospital psiquiátrico da vizinhança: liguei para a direção, e falei com a responsável: "Bom dia, é Kessous do jornal 'Le Monde'...." Ela disse que me receberia com prazer. Quando cheguei lá, a secretária lhe avisou de minha presença. Uma mulher de muletas passou na minha frente, eu lhe abri a porta, ela me encarou sem dizer bom dia nem obrigada. "Onde está o jornalista do 'Le Monde'?", ela disse. Bem atrás da senhora, eu me apresentei.

Na hora achei que essa diretora iria desmaiar. Ainda sem um bom-dia. "O senhor está com sua credencial?", ela me perguntou. "O senhor tem um documento de identidade?" "Da próxima vez, senhora, peça para que lhe enviem por fax a minha ficha criminal, assim ganhamos tempo", eu respondi. Fui embora, claramente irritado, me sentindo impotente, antes de ser detido mais adiante pela polícia que acreditava ter... encontrado o suspeito.

(...)

Tenho tantas histórias como essa para contar. De mim, falam que sou de origem estrangeira, um árabe, ralé, islamita, delinquente, um selvagenzinho, um "árabe burguês", um filho da imigração... Nunca um francês, simplesmente francês.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Fome... de poesia

Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.


Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem.
No interior das coisas canto nua.


Aqui livre sou eu — eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos
Aqui sou eu em tudo quanto amei.


Não pelo meu ser que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos atos que vivi,


Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.

(Sophia de Mello Breyner)

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Coração partido


Querida M.,


Você me perguntou outro dia quando corações partidos voltam a ser inteiros. A verdade é que eu não sei. De uma hora pra outra, um coração partido se vê inteiro, mas nunca o inteiro de antes, um inteiro com mil retalhos, com cara de outro coração. Corações partidos rondam por aí, muitos incógnitos e outros nem tanto, mas nesse nosso planeta, de cabo a rabo, do Alasca ao Zaire, de cada dez pessoas, dez terão seus corações partidos em muitos momentos de uma existência inteira. E desses dez, dez terão seus corações inteiros de volta na mesma existência. Então, corações partidos nunca estão sós. Todos os dias, compartilhamos nossas dores partidas com milhares de desconhecidos e o mais interessante é que são dores únicas e que nos fazem parecer únicos. E todos os dias, milhares de outras pessoas compartilham sua inteireza, uns com generosidade e outros nem tanto.

O fato é que nessa vida não temos momentos só de inteireza ou não estamos o tempo todo partidos. E os momentos de inteireza ou partidos não são privilégio de ninguém, estamos todos sujeitos a um e outro pelo resto de nossa existência. E a notícia mais chocante é que nossos corações ficam partidos e inteiros muitas vezes em uma mesma vida e ficar partido vai doer, sempre. A boa notícia é que sempre voltamos a ser inteiros, mas não tem regra e nem tempo. Então, tenha paciência, sua inteireza está dentro de você. Mas um coração partido não pode ser ignorado, precisamos passar junto com ele todos os momentos partidos. Ou então, ele nunca deixa de estar partido...

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Obsessão do momento


Faz duas semanas que eu acordo pensando nessa música, vou trabalhar escutando essa música e até durante a natação só dá a música na cabeça. Não é que a gente se sente rebelde quando canta a plenos pulmões "I want you to be crazy cause you're boring babe when you're straight"...

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Morte e vida severina

Emocionar-se diante da vida, pelo que eu saiba, é exclusividade humana. Pois hoje eu perdi o fôlego diante da morte. Perdi mesmo. Foram quase cinco segundos sem respirar, porque respirar me pareceu tão efêmero diante da (exclusiva?) crueldade humana que eu parei. Na tevê, de manhã cedo, mostraram a busca dos bombeiros do Rio por corpos de desaparecidos no Morro do Juramento. A história é ainda mais escabrosa, porque os familiares de desaparecidos acompanharam os bombeiros na busca, na tentativa (porque não há nunca esperança ao encontrar corpos...) de identificar seus mortos.

Na empreitada sórdida morro acima, Seu Adelson, que já procurava seu filho há alguns dias, reconheceu um corpo com as roupas de Adilson, de 18 anos, que namorava uma jovem do Juramento. Só reconheceu as roupas, porque o rosto foi desfigurado por uma tonelada de tiros. Nessa hora, pensei que azar também pode significar morte e Adilson foi vítima do azar de ter nascido pobre, morar na comunidade Furquim Mendes - dominada por uma facção criminosa rival à que atua no Juramento – ter sido confundido com alguém da quadrilha rival, ser executado e ter seu corpo infamemente jogado em um matagal no meio de um morro.

“O coração de pai não vai enganar”, desabafou o pai, achando ter tido sorte encontrar um corpo para enterrar.

Que vida mais severina...


“E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida). “


(João Cabral de Melo Neto)

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Silêncio


Cada vez mais valorizo o silêncio. Não o silêncio do calar-se, mas aquele que nasce dentro de cada um, esquenta as entranhas e toma conta da alma. É o silêncio original, para o qual quase não temos mais tempo. E são nesses momentos – em que o silêncio cresce dentro de nós – que nos deparamos com nós mesmos, escondidos ali debaixo de um barulho infernal que é a vida de hoje. O silêncio perturba, desestabiliza e provoca milagres: faz cego enxergar, faz surdo escutar e mudo falar.

Pensei nisso enquanto recebia uma bela massagem na manhã ensolarada do domingo passado. Eu, no meu silêncio original, a cabeça à mil com todos os meus pensamentos descontrolados e em certo minuto o massagista disse: “Olha, você pode falar quando quiser tá?!”. Tá. Mas era o meu silêncio. Às vezes eu preciso disso.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Vival el pueblo


Às 9h10 do dia 11 de setembro de 1973, o então presidente do Chile, Salvador Allende, resultado da união das esquerdas chilenas, proferia à Radio Magalhães, debaixo da mesa de sua sala no Palácio La Moneda e sob bombardeio pesado de caças americanos, seu último discurso. Ele e mais de três mil pessoas pagaram com a morte a defesa de uma nova sociedade.


"(...)La historia es nuestra y la hacen los pueblos (...) Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor (...)", disse.

Allende, presente, agora e sempre.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Breaking news

- Nos Estados Unidos a cada sete segundos e meio uma família é desalojada de sua casa e 14.000 perdem o emprego por dia

- O juiz espanhol Baltazar Garzon - que condenou Pinochet por crime contra a humanidade - está sendo julgado por investigar o desaparecimento de dezenas de milhares de pessoas durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e a ditadura do general Francisco Franco. Se perder, deixa de ser juiz

- Governo francês recomenda suspender os beijos no país para evitar Gripe A. Pouca gente anda atendendo à recomendação


Pra onde vai esse mundo, minha gente?!

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Tempos de delicadeza...


Primeira cena

No fim da noite, a moça morena olha para o dono do café e pergunta:

- Por que você guarda todas essas chaves dentro de um vaso?

- As pessoas as deixaram aqui e nunca vieram buscar

- Me conte alguma história dessas chaves.

- Escolha uma

A moça morena pega a chave com uma abelha de pelúcia como chaveiro e entrega para o dono do café.

- Essa aqui era de um jovem casal que imaginou passar a vida inteira juntos

- E o que aconteceu?

- Vida

- Como assim?

- A vida passou e mudou tudo. Só isso

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A moça morena pergunta para o dono do café o que faz as pessoas deixarem as outras.

- Ás vezes é melhor não saber e outras vezes não há razão nenhuma. É como bolos e tortas. Todas as noites eu tenho aqui cheesecakes e a torta de blueberry. E no final da noite sempre sobra uma torta de blueberry inteira.

- O que tem de errado com ela?

- Nada. Ela simplesmente não foi escolhida...


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A moça russa pára em frente ao café e procura o homem.

- Por que você veio aqui?

Ela não responde, mas pergunta:

- Você ainda guarda todas aquelas chaves?

- Eu guardei pensando no que você disse uma vez sobre “deixar as portas abertas”. O único problema é que mesmo quando as portas estão abertas não significa que vá encontrar a mesma pessoa de antes...


Os diálogos tão delicados são do filme “Um Beijo Roubado”, com Norah Jones e Jude Law.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

A vida é dura

C.C. tem apenas um ano de idade a mais do que eu. Quando descobriu isso ficou surpresa, mas não fez cara de chateada ou talvez porque tenha problemas tão mais importantes para se preocupar. C.C. mora em Águas Lindas de Goiás e trabalha na casa de meus pais de segunda a sexta-feira. Chega, religiosamente, às 7h. De sua casa até a de meus pais são quase 60km, o que de carro daria uma meia hora, mas C.C pega, todos os dias, uma condução antes das 6h para chegar às 7h em ponto no trabalho. E C.C tem dois filhos – um deles é o “Bombomzinho”, o qual não conheço, mas que sempre liga durante o dia - , ganha um salário mínimo e trava aquela batalha diária da sobrevivência que é um clichê tão grande quanto o número de pessoas que estão na mesma situação dela.

C.C. leva uma vida dura. Uma vida da qual a classe média desse país não tem ideia porque está bastante preocupada em resolver questões como quantas prestações vai comprar o carro do ano, em qual barzinho da moda vai desfilar as roupas compradas em um outlet de New York e quando vai sair a próxima promoção da CVC para os EUA.

Então, por tudo isso, é bem explicável que eu pareça mais jovem que C.C. Minha batalha diária se resume a resolver minha insatisfação filosófico-existencial. Tudo isso me faz lembrar do diálogo que li num livro sobre duas filósofas francesas contemporâneas: Simone Weil e Simone de Beauvoir. Na Faculdade de Filosofia, Beauvoir e Weil discutiam a Revolução. Beauvoir dizia que a solução para uma nova sociedade era “encontrar um sentido para a existência" e nesse momento Simone Weil retrucou: “Bem se vê que você nunca passou fome”. Boa resposta.