quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O mundo


O mundo não é como a gente pensa. O mundo surpreende. O mundo pesa. O mundo traz clareza. O mundo é profundo. O mundo não é real dentro do nosso imaginário. O mundo é muito real dentro e fora de nós. O mundo me pega de jeito ás vezes. O mundo me faz sorrir. E me faz chorar. O mundo me abençoa, me carrega no colo, me faz sonhar. O mundo, tem dias, que é um pesadelo. O mundo fora de mim é estranho. O mundo dentro de mim é obscuro. O mundo das pessoas é um. O mundo meu é outro. O mundo é melhor quando é nosso, mas nosso mesmo nenhum mundo é totalmente. Meu mundo não é nenhum Outro. Um dia, o Outro foi meu mundo e o mundo caiu. O mundo me faz levantar várias vezes, mas já me jogou no chão muitas outras. O mundo, como dizia Cartola, não é só um moinho. O mundo me dá medo de ter coragem, mas me encoraja a seguir em frente. O mundo é pequeno diante de todo o universo de mundos. O mundo acontece todo dia na minha janela. Meus pensamentos voam o mundo à velocidade da luz e não chegam a lugar nenhum. Meu mundo amanhece a cada dia com a sensação de que alguma coisa vai acontecer no mundo. E acontece: a vida.

Para a J.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Não aceiteis o que é de hábito como coisa natural



Esse texto abaixo foi o meu primeiro texto neste blog. Hoje, passeando por ele, me toquei de que continuo concordando que a minha geração continua andando nesse mundo como se estivesse à deriva. E eu cheguei à conclusão de que eu achei meu bote salvavidas, porque, olha que clichê: ele sempre esteve dentro de mim... mas como disse Brecht: "não aceiteis o que é de hábito como coisa natural"
Então, a minha geração é assim:

A minha geração se diverte com filmes ousados e inteligentes, pensando que algum dia, quem sabe, eles mudem a forma dos outros pensar. A minha geração gosta de música que tenha algum sentido e resista ao que todo mundo já sabe. A minha geração sai pra comer semanalmente fast food reclamando que os fast food são símbolo de um modo de vida que ela, a minha geração, já adotou faz tempo e nem se dá conta.

A minha geração está insatisfeita, mas nunca parou pra pensar em ousar fazer diferente. Ou porque está perdida no meio de um mundo que se impõe diante de nossos olhos.

A minha geração não precisou lutar para conseguir o que quer, porque sequer sabe o que realmente quer. A minha geração se acostumou a ver a luta dos outros, a apoiar a luta dos outros, a achar que tudo é uma questão de acomodação, a refletir sobre a mobilização e a falta dela, a achar que falta alguma coisa nesse quebra cabeça de mundo. Mas a minha geração não faz esforços para descobrir que raio de peças são essas, que faltam, que não se encaixam, que podem mudar a figura do jogo...

Aí, eu pensei nessa poesia do Bertold Brecht e que me deu esperanças...

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Oscar Azevedo não existiu


Era setembro, a terra e o tempo estavam secos, num dos mais rigorosos períodos de seca da Capital, quando Oscar Azevelo desapareceu sem deixar rastros naquela tarde de quarta-feira modorrenta. Ele, um homem de meia idade que morava sozinho no nº 308, sumiu misteriosamente, dentro de seu próprio apartamento, sem sinais de arrombamento. A porta estava trancada e o imóvel impecável, como de costume.

Oscar Azevedo era solteiro e muito organizado. Trabalhava como corretor de imóveis havia 15 anos, morava ali há 10 e era síndico há três. Educado, simpático e bem apessoado, além de muito reservado, ele era reconhecido pelos moradores como o homem que mudou para sempre o condomínio. Remodelou o prédio (que tinha um quê de barroco decadente dos anos 50 e passou a ter um visual mais moderno e revigorante), trocou a caixa d´água que nunca tinha sido trocada, mudou o piso do pilotis e colocou câmeras para alívio dos moradores inseguros.

O síndico-corretor era um homem de uns 50 anos e ao que parece não tinha família. Nunca falou de ex-mulher e filhos. Era sozinho. Os moradores nunca viram visitas chegarem ao nº 308 enquanto lá ele morou. E era até estranho, porque Oscar Azevedo não era um homem feio, era até bem charmoso, alto, corpo em forma já que era adepto de corridas. Todo dia, impreterivelmente às 6h, ele saía para dar sua “corridinha”. Era vaidoso, andava bem vestido, com ternos bem cortados, perfume importado.

Segundo investigações da Polícia, Oscar Azevedo não tinha inimigos. Assim como não tinha amigos. Era, como comentou um agente (este era formado em literatura, mas acabou virando policial e se converter à categoria dos que têm emprego), um “estrangeiro de Cammus”. Vivia como se não existisse. Passou pela vida sem deixar rastros, desapareceu como se nunca tivesse vivido. Ninguém notou sua ausência até o dia da reunião do condomínio, numa quarta-feira, lembra a vizinha do apartamento ao lado, que também era a vice-síndica.

Oscar Azevedo não deixou saudades, não deixou dívidas, não deixou amigos, não deixou feitos, nem mau feitos. Sumiu e só o descobriram sumido numa quarta-feira modorrenta de setembro. Na hora em que o chaveiro arrombava sua porta e entrava em seu apartamento com ares sofisticados, tocava Vanessa Damata: “Não me deixe só, eu tenho medo do escuro, eu tenho medo do inseguro...”. E ninguém achou que aquilo era sinal de nada.