segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Decifra-me ou te devoro

- Pára! Assim tá devorando meu coração! - gritou ela, num desespero de animal ferido. Os animais selvagens, quando feridos, ficam ainda mais ferozes. E os leões, quando acham o coração, o devoram vagarosamente, saboreando a carne macia e suculenta, devorando também todos os sonhos e sentimentos guardados. Então ele perguntou o porquê. -Me deixou aqui só com as lembranças... - respondeu ela, com o rosto entre as mãos, a voz embargada e o coração já devorado. Primeiro vieram as lembranças perfumadas, depois as selvagens e só então as torpes. Ela só gostava mesmo das lembranças ferozes, com beijos vorazes. Mas, uma vez devorado o coração, as lembranças ficavam junto com os ossos. Só os restos. - Não te devoro o coração. Te devolvo uma história – argumentou ele. Ela, com os olhos tão vermelhos, meio fera ferida, disse: - Ninguém gosta de história pra boi dormir. Me devolva os sonhos, todos eles. Ele foi embora em silêncio, sem nem se despedir. Ela ficou ali, pensando no mistério dos leões e sua fome de corações.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Amém

O medo que eu sentia do escuro, não sinto mais. Agora, peso menos que uma pluma e flutuo por aí, olhando os sorrisos e as lágrimas, as canções e os gritos de vocês que passam. Sou toda coração e alma ou alma-coração, se é que se separam. Permaneço, agora, nesse momento tão curto e sem fim de paz. Amém.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Para Eruza, com amor

Eu prefiro azul; ela também. Eu sou agoniada, respondona e me arrependo de ser tudo isso logo em seguida; ela também. Eu prefiro ser discreta; ela também. Meu aniversário é no 7 de outubro; o dela também. Não fosse a idade – eu sou mais velha – a gente brincava que seríamos a mesma pessoa, “duas almas gênias”, ela costumava falar. “Aline, quando eu for ficando mais velha, vou ficar igual a você. Então melhora?”, perguntava ela. “Melhora, Eruza, porque a vida dá umas cacetadas bem duras, aí não tem jeito de ficar pior, fica melhor”, eu respondia. E ela ria, ria, daquele jeito dela, com uma gargalhada que valia por um abraço. Nos tornamos amigas por causa de uma pipoca Nhac e depois disso não nos desgrudamos mais, porque eram tantos gostos, temperamentos e ideias compartilhadas que dava mesmo a impressão de sermos a mesma pessoa... e não é reconfortante encontrar a si mesma, assim, cara a cara, de forma tão simpática?! Minha amiga, foi uma grande honra viver ao seu lado. Grande mesmo. Você me mostrou o quão melhor a gente pode ser todo dia e, por isso, muito obrigada. Você me reconfortava só por existir. Gargalhe aí no céu, porque eles vão gostar. E não fique agoniada, seu rastro aqui por esse planeta deixou eternidade entre nós. Te amo <3.