Como escreveu Bob Dylan, a gente dá o melhor pra ser apenas o que somos, mas todo mundo só quer mesmo que a gente seja como todo mundo... E como é que não pira o cabeção desse jeito?!
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
Decifra-me ou te devoro
- Pára! Assim tá devorando meu coração! - gritou ela, num desespero de animal ferido.
Os animais selvagens, quando feridos, ficam ainda mais ferozes. E os leões, quando acham o coração, o devoram vagarosamente, saboreando a carne macia e suculenta, devorando também todos os sonhos e sentimentos guardados. Então ele perguntou o porquê.
-Me deixou aqui só com as lembranças... - respondeu ela, com o rosto entre as mãos, a voz embargada e o coração já devorado.
Primeiro vieram as lembranças perfumadas, depois as selvagens e só então as torpes. Ela só gostava mesmo das lembranças ferozes, com beijos vorazes. Mas, uma vez devorado o coração, as lembranças ficavam junto com os ossos. Só os restos.
- Não te devoro o coração. Te devolvo uma história – argumentou ele.
Ela, com os olhos tão vermelhos, meio fera ferida, disse:
- Ninguém gosta de história pra boi dormir. Me devolva os sonhos, todos eles.
Ele foi embora em silêncio, sem nem se despedir. Ela ficou ali, pensando no mistério dos leões e sua fome de corações.
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