Foi numa primavera sem flores, cinzenta e chuvosa de Paris que Ana Clara, brasileira recém-chegada à França, conheceu um espanhol de Cartagena, com antepassados da Andaluzia, talvez ciganos. Ele mesmo não soube dizer. O espanhol, além de advogado, torcedor fanático de futebol e um homem um tanto rude, tinha um dom secreto – o de ler mãos. E por um desses acasos misteriosos de uma vida, a brasileira ficou cara a cara com o destino.
Foi revelado a Ana Clara mais do que ela gostaria de saber. Num instante de descuido, o advogado de Cartagena pegou as mãos de Ana Clara e leu-as.
- Faltam linhas em sua mão, falou o espanhol, como se revelasse algo de muita importância.
- Quais?- perguntou Ana Clara, num tom entre desprezo e curiosidade.
- As da riqueza e da fama, disse o espanhol, sem dó nem piedade.
E num impulso (quem estivesse por ali talvez dissesse que foi por medo), Ana Clara puxou as mãos e deixou o advogado de Cartagena falando sozinho. Que lesse a própria mão e chateasse a si mesmo, pensou ao se levantar.
A brasileira vagou pelas ruas de Paris, quem sabe a Cidade Luz mostrasse algo mais àquela que estava condenada a ser uma pessoa comum. Caminhando, ela olhou para os que estavam por perto e ninguém a notou. Pensou que eram todos “farinha do mesmo saco” e foi desse jeito vulgar que pensou não se reconhecerem por todos estarem incógnitos como gente comum. Talvez fosse a prova do que lhe foi dito.
Não seria rica e nem famosa. Ana Clara então lamentou não ser jamais uma dançarina internacional, nem uma grande cantora ou uma cientista de prêmio Nobel, apesar de não ter talento para nenhuma dessas coisas e nem mesmo tê-las desejado.
Menos inconsolável, ela sentou-se em uma daquelas cadeiras viradas pra rua num daqueles cafés parisienses, também comuns. Montou o quebra-cabeça de sua vida e o que parecia ser desgraça, era destino. Tudo pode ser apagado, mas nunca esquecido. Olhou para as pessoas que passavam pela rua. Não pareciam nem um pouco insatisfeitas em serem apenas o que são. De vez em quando, notou um sorriso no canto dos lábios em algumas daquelas gentes. Teve a idéia louca de perguntar como era levar uma vida ordinária, mas preferiu esperar e ter sua própria experiência.
Algumas horas depois, Ana Clara voltou a procurar o espanhol, agradeceu a leitura esotérica, se desculpou pela fuga e se comprometeu a ser o que sempre seria e o que sempre tinha sido até agora. E percebeu que o desafio era enorme, porque nada impedia uma pessoa comum de ser especial.
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